Diante de acontecimentos que surgem esporadicamente na imprensa, sobre filhos que mandam matar os pais, netos que degolam avós, pais que matam filhos e todo um conjunto de crimes entre parentes próximos, algumas pessoas podem estar pensando que esse conjunto de factos e de fenômenos denuncia uma alteração cultural ou indícios de alguma crise da própria civilização. O assunto é antigo, e já vem desde a zanga entre Caim e Abel. Por isso, talvez, o problema não deva ser exclusivamente da sociedade ou civilização.
Talvez o problema seja da imprensa, essa estrutura mediática que nos oferece notícias em quantidade e velocidade inimagináveis, fazendo-nos saber desses crimes mais do que saberíamos noutras épocas.
O que parece estar acontecendo é que os comportamentos, as normas e o sentido global da vida individual e comunitária, não se inspiram em padrões éticos de valores, preferindo aluir ao sabor de critérios imediatistas, consumistas, hedonistas e pragmáticos. Num português mais directo, preferindo-se o que se pode ter agora, consumir vertiginosamente, o prazer sem consequências e tudo o que for mais fácil. Embora não se possa ter a certeza de que a maneira da sociedade se conduzir, hoje, seja diferente do que fora noutras épocas, e pelo menos uma verdade se detecta: existe actualmente, muito maior apelo ao consumo e ao prazer do que antes, mas o ser humano, em si, continua sendo o mesmo, tenha tido ele que usar da clava, da espada, da caneta ou do satélite, pois os seus propósitos, anseios e paixões continuam os mesmos.
O ser humano normal sempre foi ávido dos seus direitos, e supondo ser correcto o ditado segundo o qual “o condenado se consola na dor do semelhante”, há uma grande tendência das pessoas que não têm as mesmas coisas e os mesmos prazeres que outras, desejarem ardorosamente uma equiparação. Talvez, noutras épocas, as pessoas não tivessem informação ou noção do que se pode ter na vida. Actualmente, através dos média, o cidadão normal vê na sua televisão, no cinema ou nas revistas, tudo aquilo que poderia usufruir e a “vida lhe nega”.
A pessoa normal frustra-se muito mais sabendo dessas coisas do que as ignorando, e a partir desse conhecimento, começa a querer também.
Se os princípios éticos não forem acrescidos à formação dessas pessoas desde o berço, os meios para conquistar a pretendida igualdade tornam-se eminentemente pragmáticos. Talvez a poção mágica que está transformando a nossa sociedade seja composta de uma perigosa combinação entre a vitrine do prazer e do consumo, oferecida pelos média, com o fascínio da liberdade plena, pretensamente virtuosa na sua essência. Talvez, também, se o slogan da Revolução Francesa tivesse sido “Liberdade responsável, Igualdade de oportunidades e Fraternidade Tolerante”, o mundo ocidental seria diferente.
Incute-se na pessoa desde criança, atendendo a uma leitura deficiente e incompleta de algumas correntes psicologistas, um exercício da liberdade sem limites, deixando de lado o ensinamento de que a dignidade desta liberdade reside na responsabilidade, pois o exercício da liberdade deve ser a expressão do respeito de cada pessoa em relação a si mesma e em relação ao seu semelhante.
Pois bem, primeiro os média apetrecham a consciência humana de tudo aquilo que é possível ter, depois, a liberdade dá rédeas soltas aos meios de tê-las. Deu no que deu. A mediatização da vida exige meios mais eficientes e rápidos para a aquisição do prazer, e a liberdade, destituída da sua contra-partida que é a responsabilidade, dá, para pessoas órfãs de princípios éticos, o aval de se poder fazer o que quiser.
Nas pessoas bem formadas surge uma enorme frustração em ver que os outros fazem tudo aquilo que elas não se permitem. E essas pessoas estão órfãs de ética porque? Talvez porque interesse ao mercado de consumo que as pessoas não pensem tanto, apenas consumam...
A conquista dos objectivos através da liberdade plena, imoral e estimulada pela glorificação do sucesso, fez surgir novos poderes, fragilizando aqueles em que, tradicionalmente, se assentava a sociedade. Com isso surgem sintomas de falta de confiança no sistema judicial, porque o que é legal não significa, necessariamente, moral. Esse é, aliás, um sintoma preocupante das sociedades ocidentais, onde a ordem legal se afasta, muito frequentemente, da ordem ética. Surgem também sintomas da falta de garantias dos direitos e da dignidade, sintomas da falta de referenciais morais, perda de confiança nas instituições e nos valores. A liberdade sexual, é hoje, um tabu onde ninguém ousa tocar, pois o policiamento dessa liberdade é extremamente opressor. Daí decorrem as doenças sexualmente transmissíveis, aumento de adolescentes que engravidam, aborto complicado e letal, medo dos relacionamentos duradouros e mistificação do amor.
A sociedade gasta milhões no tratamento da Sida, orienta e oferece preservativos gratuitamente, mas não se vê uma palavra sobre valores e preservação da dignidade da pessoa, muito pelo contrário. A televisão mostra cada vez mais cenas de sexo explícito entre pessoas que mal se conhecem, tentando convencer que o facultativo é obrigatório, como um indispensável passaporte para a modernidade.
A liberdade dos usos e costumes leva ao abuso das drogas. Nesse caso a sociedade oferece gratuitamente seringas descartáveis, gasta milhões nos internamentos hospitalares, etc, mas não se diz uma palavra que sugira responsabilidade no exercício da liberdade de comportamento. Aliás, parece não haver vontade para resolver esse problema de vez. A engenharia genética, se quisesse, já estaria dotada de recursos para desenvolver doenças capazes de dizimar plantações de cocaína e ópio.
Crianças Frustradas - Mito ou Realidade
Há um enorme conflito habitando a mente do homem moderno, e por um lado, a necessidade quase imperiosa de ter sucesso, significando exclusivamente, sucesso financeiro. Por outro lado, o frequente custo amargo desse sucesso.
Segundo uma tendência deteriorante da sociedade, as crianças não podem ter frustrações. Se elas se sentirem diferentes de outras crianças, se elas não tiverem os bens de consumo iguais aos colegas, telemóvel, roupas de marca, dinheiro para bares, boates e afins, enfim, se elas não se inserirem totalmente no mundo consumista que contactam na escola e nos média, pode ocorrer uma enorme tragédia: ficam frustradas.
Diante dessa perspectiva lúgubre, os pais têm de dotá-las dessa "penosa normalidade", e para tal, têm que trabalhar muito. Além disso, essas crianças correm o risco de crescerem frustradas, porque os seus pais são como se diz modernamente, ausentes.
As crianças, incluindo aqui os adolescentes, que por sinal são crianças problemáticas, reivindicam desde os 11-12 anos, direitos dos adultos. Elas sempre têm colegas ou amigos cujos pais deixam fazer de tudo, permitem tudo e dão tudo, e novamente para não crescerem frustradas, ou pior, revoltadas, recebem tudo.
Na minha opinião isto é um grave erro, o excesso de liberdade. Não dar liberdade aos filhos pode causar frustração, dar liberdade também.
A grande armadilha da natureza, visando a preservação da espécie, foi fazer as pessoas acreditarem que com elas tudo será diferente, portanto, acabam tendo filhos também. E a mãe continuará tendo orgulho em se achar a melhor amiga dos filhos, esquecendo-se que amigos a gente escolhe.
De facto, quando um adolescente se suicida, a sociedade tende a avaliar os seus pais com olhos pouco compreensivos, mas o inverso, ou seja, quando um dos pais se suicida, ninguém olha os seus filhos com malícia.
Quero concluir que crianças e adolescentes podem sim estar frustradas com os seus pais, na mesma ou menor proporção que os pais também se frustram com elas.
Os adolescentes e jovens que se destacam pela hostilidade exagerada, podem ter um histórico de condutas agressivas que remonta a idades muito mais precoces, como no período pré-escolar, por exemplo, quando os avós, pais e "amigos" achavam que era apenas um "excesso de energia" ou uma travessura própria da infância.
Ou nos preocupamos sériamente e tomamos medidas radicais, ou não conseguiremos salvar estes adolescentes e jovens do abismo em que se encontram.
Custará muito impôr regras de conduta e um código de valores?
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