quarta-feira, 21 de outubro de 2009

AMAR

Amar é ser capaz de viver um sentimento que se misture fundo com a vida, se torne corriqueiro, mal percebido, sem grandeza, sem efeitos extraordinários, emoções particulares ou excitantes.
Aqui reside, pois, as complicações do amor.
Só se torna visível quando ameaçado acabar.
Só o descobrimos quando se supõe nada mais sentir.
Está onde menos se espera. É profundo, vital, doador, independente de exaltações. Flui imperceptível, aparece ao sumir.
Pessoas que se separam, mesmo livres uma da outra, sentem um vazio, uma perda, um sentimento de possibilidade perdida.
É preciso muito viver, muito desiludir-se, muito sentir, muito experimentar, muito perder, muito renunciar, para encontrar o próprio amor, guardado não se sabe em que dobra da gente, e muitas vezes nunca descoberto.
Morrer sem descobrir o próprio amor escondido é frequente e terrível.
O que estamos fazendo com o amor que está em nós e diariamente trocamos pelas emoções passageiras, pela felicidade inconsequente, pelas alegrias passageiras?
O que estamos fazendo? O que?
Quando amamos, muitas das vezes não damos liberdade. Que tipo de amor é este, que tem medo de dar liberdade? Isto não é amor, é política.
O amor só pode existir em igualdade e em liberdade.
O amor é uma relação na qual ninguém é superior, na qual ambos são completamente conscientes de que são diferentes, de que as suas expectativas de vida são diferentes.
É muito nobre amar alguém. Amando, elevamo-nos e tornamos a outra pessoa feliz.
No entanto, se nosso amor for acompanhado do apego, ele nos fará sofrer.
O apego faz-nos tolher o outro, desejando submetê-lo à nossa vontade.
Se amarrarmos, ainda que mentalmente, a outra pessoa, desejando que ela seja do jeito que queremos, ela acabará nos "escapando".
Ainda que não nos "escape" literalmente, ela poderá começar a nos evitar, a sair ou a voltar tarde, porque em casa não se sente a vontade.
A pessoa que possui amor-apego, não consegue receber a outra pessoa com alegria espontânea, sem restrições.
Mas aquela que possui o amor-despreendido, recebe a outra pessoa sempre carinhosamente, alegremente, com felicidade.
A pessoa que nutre o amor-apego, sente-se insegura, angustiada, insatisfeita e permanentemente receosa de perder a outra pessoa.
É por isso que é tão importante deixarmos o sentimento do apego.
Isto não significa tornarmo-nos indiferentes. Significa ter o amor que doa, o amor despreendido, o que é muito diferente.
É muito difícil amar desafogadamente, sem esperar retorno. Levamos, às vezes, a vida inteira para aprender o que é o amor sublime.
Portanto, não devemos desesperar pelo facto de haver apego na nossa mente.
O amor não é simplesmente uma questão de sentimento. O amar bem exige prática, como em qualquer arte, isto é, disciplina, paciência e persistência.
O amor proporciona-nos excitação, paixão, descobertas, milhões de coisas lindas, mas a paz só vem depois que superamos os medos que o amor traz. É pena que nós não tenhamos aprendido a dar valor ao facto de estarmos ao lado de quem amamos...
O que geralmente predomina são os nossos planos e os nossos receios, porque o amor traz-nos a secreta certeza de que a vida é um aprendizado, por isso, inacabada, provisória, incerta, além de que conecta o trivial e o superior, integra o imanente e o transcendente, eleva o materialista e erotiza o inocente.

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