quarta-feira, 5 de março de 2008

SEM DEIXAR PARA AMANHÃ


A vida sempre surpreende. Ou talvez se deva dizer que a morte surpreende a vida? Afinal, ela sempre aparece num momento inoportuno.
Quando estamos para nos reformarmos e gozar do que consideramos um merecido descanso. Ou quando estamos nos preparando para o casamento.
Ou, ainda, quando acabamos de passar por um concurso que nos garantiria uma carreira de sucesso.
Por isso mesmo, nunca devemos deixar para amanhã as declarações de afecto.
Por vezes, tivemos um professor que nos influenciou muito e realmente deu sentido, propósito e direcção à nossa vida. Entretanto, nunca reservamos um tempo para lhe agradecer.
De repente, ele morre e ficamos a pensar: "meu Deus, ao menos eu deveria ter-lhe escrito uma carta."
De outras vezes, chateamo-nos com alguém e punimos a pessoa com o nosso silêncio. Passam-se os dias, os meses, os anos.
E continuamos com a punição. Aí a pessoa morre.
O que acontece? Quase sempre o remorso nos alcança e começamos a cogitar: "eu devia ter falado com ela."
Para compensar a nossa culpa, vamos à florista e compramos muitas flores, para enfeitar o caixão, a capela mortuária, o túmulo.
Teria sido muito mais compensador ter comprado algumas flores antes, um pequeno ramalhete e ter tentado fazer as pazes. Reatar o relacionamento.
É até possível que a pessoa rejeitasse as flores, as jogasse no chão. E nos virasse as costas. Mas, então, o problema não seria mais nosso, mas exclusivamente dela.
Um dos exemplos mais comoventes a respeito do arrependimento por deixar para depois, vem-nos de uma carta escrita por uma jovem americana ao namorado.
É mais ou menos assim: "lembras-te do dia em que eu pedi emprestado o teu carro novo e o amassei? Achei que tu me ias matar, mas tu não me mataste. Lembras-te de quando eu te arrastei para ir à praia, e tu disseste que ia chover, e choveu? Pensei que tu fosses dizer: ‘eu não te avisei ?’, mas tu não falaste nada. Lembras-te da época em que eu dava conversa a todos os rapazes para te fazer ciúmes, e tu ficavas com ciúmes? Achei que tu fosses deixar-me, mas tu não me deixaste. E quando deixei cair uma torta de amora nas tuas calças novas? Pensei que tu nunca mais fosses olhar para mim, mas isso não aconteceu. E quando me esqueci de lhe dizer que o baile era a rigor, e tu apareceste de calças de ganga? Achei que tu fosses me bater, mas tu não me bateste. Havia tantas coisas que eu queria fazer para ti quando tu voltasses do Vietname. Mas tu não voltaste..."
Não permitamos que a morte arrebate a chance de dizermos o quanto amamos as pessoas.
O quanto elas são importantes para nós. Pode ser uma avó, um irmão, um amigo.Não necessariamente somente pessoas do círculo familiar. Aprendamos a esboçar gestos de amor e a dizer palavras que alimentam a alma do outro.
Mesmo que um dia alguém nos tenha dito que não é bom o outro saber que o amamos, porque se aproveitará de nós.
Mesmo que outro alguém tenha insinuado que parecemos tolos quando ficamos afirmando a intensidade do nosso amor, da nossa amizade e da nossa ternura.

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